Cortador de cana chega à final de Olimpíada de Língua Portuguesa contando sonho nordestino
Entre os 152 alunos que
foram a Brasília participar da final da Olimpíada de Língua Portuguesa
Escrevendo o Futuro, o cearense Sineudo dos Santos chama atenção por destoar do
estereótipo de estudante premiado. Com 23 anos e no 3º ano do ensino médio, o
cortador de cana conseguiu o feito de chegar à última etapa do concurso ao
falar de um assunto que ele entende muito: o "sonho nordestino".
Com a experiência de quem
saiu da cidade cearense de Jardim para cortar cana em Tamboara (PR), Sineudo
escreveu sobre as dificuldades e os benefícios que os migrantes do nordeste
proporcionam às cidades do sul do país no artigo opinativo "O polêmico
sonho nordestino em terra paranaense".
No artigo, Sineudo fala
sobre o sofrimento do povo nordestino e conta o "segredo" de conhecer
tanto o assunto: "Sou nordestino e sinto na pele essa polêmica... Não
fossem pelas dificuldades em sobreviver em uma terra tão castigada pela seca,
não deixaríamos para trás quem tanto amamos para trabalhar em terras tão
distantes".
A classificação para a etapa
final da Olimpíada de Língua Portuguesa chega no mesmo mês em que Sineudo completa
o ensino médio. "Foi a coroação para tanta luta", afirma. Caçula de
uma família de sete irmãos, Sineudo é o primeiro a conseguir terminar o ensino
médio.
Em uma cidade que não tinha
energia elétrica a água encanada até o ano 2000, ele foi o único que teve
oportunidade de continuar na escola. Mesmo assim, a rotina era árdua.
"Trabalhava batendo tijolo em uma Olaria das 7h30 às 17h30. Aí tinha subir
em uma caçamba de caminhonete com mais 15 pessoas, percorrer 18 km, assistir a
aula e voltar para casa. Recentemente, teve até um acidente com esse
carro", conta.
Finalista teve que largar os
estudos para cortar cana
Com a mão calejada do
trabalho e dormindo menos de seis horas por dia, a tentação de parar os estudos
sempre foi um fantasma na vida do cearense. O incentivo da família o ajudava a
vencer o desejo de largar tudo. Porém, a oportunidade de sair da cidade natal o
fez abandonar os estudos quando estava no 3º ano em 2009. "A vida estava
muito sofrida e queria ajudar a família", se justifica.
A motivação para voltar a
estudar só veio no início de 2012, quando perdeu a oportunidade de sair do
corte de cana. "Tinha uma vaga de técnico de segurança e perdi porque não
tinha segundo grau. Aí decidi retomar".
Para Sineudo, o momento mais
difícil foi na semifinal, realizada em Belo Horizonte: "A gente tinha que
escrever um artigo após um debate e pesquisa no computador. Só que eu não sei
usar internet. Aí quando todo mundo foi pesquisar, eu sentei, peguei a caneta e
escrevi o que tinha na cabeça. Pensei que ia perder, mas aconteceu o
contrário".
Incentivo
Conciliando trabalho e
estudo, Sineudo começou a estudar apenas para ganhar o diploma. Mas tudo
começou a mudar com a Olimpíada de Língua Portuguesa, o texto sobre o
"sonho nordestino" e as classificações nas etapas municipal, estadual
e regional do concurso. Para ele, participar é uma vitória: "com o texto,
pude mostrar um pouco da vida do migrante nordestino".
O texto acabou dando uma
guinada na vida do estudante. "Quando vimos o texto dele percebemos que é
único. Ele teve a oportunidade de tratar de um assunto dando o exemplo de vida
dele mesmo, que saiu do Ceará porque ganhava R$ 12 por dia", diz Adriana
Telles, diretora da escola de Sineudo.
Para chegar à última etapa
do concurso, Sineudo passou pela etapa municipal (com outros seis candidatos),
estadual (concorrendo com 476 alunos), regional (com 127 semifinalistas) e
final (com 38 alunos). Mas não ficou entre os ganhadores.
Com o concurso, o cearense
ganhou uma viagem para Belo Horizonte (para as semifinais), uma para Brasília
(para as finais, com direito a um tour pela cidade), um tablet, 225 reais em
livros.
Perguntado sobre quais eram
os "sonhos nordestinos" dele, Sineudo foi bem modesto. "Já quis
sair da minha terra, comprar uma moto e até ser médico. Hoje, meu principal
sonho é ter um emprego decente para que eu possa dar uma boa condição de vida
para minha família", conta o, segundo ele mesmo, mais esforçado dos 152
finalistas da Olimpíada da Língua Portuguesa.
Fonte: UOL
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