Entrevista: “Fracasso do estado” no combate à violência, diz professor
Doutor
em Ciência Política e o Professor da UFCG, José Maria Nóbrega Júnior é o destaque na entrevista deste domingo.
José
Maria Nóbrega, é pesquisador do NICC-UFPE (Núcleo de Estudos em Instituições Coercitivas
e da Criminalidade), pesquisador do InEAC (Instituto de Estudos Comparados em Administração
Institucional de Conflitos) e membro permanente do Centro de Referência de Direitos
Humanos do CDSA/UFCG.
Para
o professor que pesquisa criminalidade no Nordeste, estudo sobre o tema
incluído em publicação deste ano da Secretaria Nacional de Segurança Pública
(Senasp), já apontava o aumento da violência no Nordeste em relação a outras
regiões e a explosão de crimes na Bahia -, a falta de estrutura e de planejamento
dos órgãos de segurança na região fez com que ela não estivesse preparada para
o aumento do volume de criminalidade, que chegou como efeito colateral da
expansão de empregos e consumo.
Ao
GLOBO, Nóbrega, que lança no início de 2012 o livro “Os homicídios no Nordeste
brasileiro”, fala em “fracasso do estado” no combate à violência.
Entrevista
na Íntegra
Por que o Nordeste se
tornou a região do país com maior crescimento da violência?
JOSÉ MARIA NÓBREGA: O principal motivo
é a fragilidade institucional do aparato de segurança dos estados nordestinos.
Isso nunca esteve na agenda dos governos estaduais; apenas Pernambuco, nos
últimos anos, começou a se preocupar com essa questão. O que é essa fragilidade
institucional? É a polícia funcionando sem planejamento, sem pesquisa
científica, sem informação sobre as ocorrências criminais. Algumas delegacias
têm dados por causa da vontade do delegado. Não há gerências de estatística nas
secretarias de Segurança. Então, é o fracasso do estado. Podem dizer que sempre
foi assim na região. Então, por que estaria pior agora? O problema é que nos
últimos anos o Nordeste passou a atrair mais o crime. Primeiro que no Sudeste
passou a haver aumento das políticas de segurança no Rio e em São Paulo. Então,
com essa redução dos espaços para o crime no Sudeste, os criminosos migraram
para outras regiões. E, ao mesmo tempo, houve aumento da riqueza no Nordeste, o
que teve o efeito de atrair a criminalidade para a região. Na área do Porto de
Suape (PE), por exemplo, com crescimento da área, também houve aumento do crime
contra patrimônio. Além disso, com maior renda no Nordeste, aumentou também o
número de potenciais consumidores de drogas, aumento do consumo do crack, e
isso também atraiu o tráfico.
O crescimento
econômico não deveria ajudar a diminuir a criminalidade, por dar mais
perspectiva de emprego?
NÓBREGA: No Nordeste está
tendo o efeito inverso. Quando veio esse aumento de volume da criminalidade,
atraída pela maior riqueza, a segurança pública nos estados, com suas falhas
institucionais antigas, não estava preparada. A Bahia juntou crescimento
econômico e falta de estrutura na segurança pública com a proximidade
geográfica do Sudeste. O resultado: (a criminalidade lá) explodiu de forma
assustadora, passou de cerca de 1,5 mil homicídios em 1996 para mais de 4,5 mil
em 2008; em 2010, foi a mais de 5,2 mil homicídios. É claro que tem de haver
crescimento econômico e geração de empregos; o problema é que as instituições
de segurança pública na região não estavam preparadas para esse efeito
colateral trazido pela maior riqueza, que foi o aumento de criminalidade. O
Ministério Público não consegue oferecer denúncia sobre os casos de homicídio
por causa da má qualidade dos inquéritos policiais. Em Pernambuco, em 2007, o
MP só conseguiu oferecer denúncia de 5,4% dos casos registrados de homicídio.
O aumento da
violência no Nordeste foi maior nas regiões metropolitanas ou no interior?
NÓBREGA: Nas regiões metropolitanas,
porque é onde aumentou mais a circulação de riqueza. De 2000 para 2010, João
Pessoa foi da 15 posição para o 2 lugar na lista das capitais mais violentas.
Mas as cidades pequenas do interior também se transformaram numa área de lazer
maravilhosa para o criminoso ficar. Ele comete o crime na capital e regiões
metropolitanas, e vai se esconder no interior. O pessoal descobriu esse filão.
No interior, porém, também houve crescimento da criminalidade: em cidades como
Boa Vista (PB), passaram a explodir caixa eletrônico, que nessas cidades fica
em casa de telha, sem câmera.
Falta de pessoal
também é um problema? Seu artigo na publicação da SENASP cita que houve aumento
da violência apesar de alguns estados terem tido aumento do seu efetivo
policial.
NÓBREGA: Sim, claro que a
falta de pessoal prejudica. Mas só aumentar efetivo não adianta se você não
sabe o que fazer com esse efetivo. É como ter um time de futebol de 30
jogadores que só chutam para a esquerda.
A melhoria da
estrutura de segurança pública passaria também por uma mudança da política na
região?
NÓBREGA: Não há ainda,
sobretudo no interior, a percepção da população sobre a importância e a
influência do político para as políticas do governo. O debate eleitoral em
muitos municípios não é sobre políticas para a população, é sobre quais
famílias serão favorecidas, o poder patrimonial desse ou daquele político...
Num município como Monteiro (PB), um comerciante instalou uma câmera no centro
da cidade. Isso era algo que a prefeitura poderia ter feito tranquilamente,
para monitoramento, e não fez.
Fonte: Agência O Globo